Consciência e corrigenda
Singular abatimento paulatinamente dominava a elegante senhora.
Cercada pelo carinho de largo círculo de relações e comodamente
instalada, a dama apresentava-se angustiada, inquieta, registrando
singulares anomalias físicas e psíquicas, antes ignoradas.
Receando agravar-se o estranho sofrimento, resolveu visitar um
psiquiatra de renome, espírita que, segundo várias pessoas, realizava
milagres.
— Não sei a razão do meu atual estado — começou a consulente com
desenvoltura, enunciando as síndromes várias da pertinaz aflição.
O esculápio escutou-a com serenidade, cenho franzido, gentil.
Após interrogações necessárias a uma anamnese completa quanto
possível, esclareceu, delicado:
— Compete-me usar de franqueza, a fim de projetar luz no seu
problema. Assim, rogando-lhe desculpas, solicito igualmente, a mesma
lealdade.
— A senhora não teria abortado recentemente?
A pergunta honesta, endereçada com algum constrangimento, surpreendeu
a senhora, que retrucou:
— Sou viúva há mais de cinco anos, doutor, e mantenho uma vida
honrada, respeitando a memória de meu esposo.
— Contudo, o seu caso me parece típico... Procure recordar-se...
Andes da desencarnação do esposo... Às vezes as consequências são tardias...
— Nunca, nunca eu me submeteria a tal. Não tive a honra de ser mãe,
conquanto o desejasse ardentemente...
— Confesso-lhe a minha estranheza, porque essa sintomatologia é de
ordem espiritual, mui complexa...
Houve um silêncio incômodo. O médico demonstrava embaraço.
— A senhora tem religião? — Indagou.
— Não exatamente — respondeu — Hoje sou livre-pensadora...
— Qual a sua profissão?
— Sou obstetra prática e, para ser-lhe franca, somente por
sentimentos humanitários, para salvar moçoilas inexperientes e senhoras
doidivanas, já pratiquei nelas 150 abortos, ou melhor para ser exata: 152.
Tenho tudo catalogado, a caráter, com verdadeiro zelo.
— ... Aí está a causa da sua enfermidade. Remorso inconsciente,
sintonia com as suas vítimas e obsessão sendo instalada com segurança cujas
consequências serão imprevisíveis... É necessário voltar-se para Deus e
despertar...
... — Mas eu aqui venho — revidou, ofendida, a cliente, — ouvir um
psiquiatra não um religioso... De religião, para mim, chega!
E saiu, revoltada.
*
Todos os males procedem do espírito graças aos erros praticados, que
ressurgem como necessários corretivos para o despertamento dos infratores.
Quão poucos, ainda, estão dispostos à reparação e ao enobrecimento
pessoal!
Acautela-te, portanto.
Ignotus
(De “Sementeira da Fraternidade”, de Divaldo Pereira Franco – Diversos
Espíritos)
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