- Saulo!… Saulo!… Por que me persegues?
O moço tarsense não sabia que estava instintivamente de joelhos. Sem poder definir o que se passava, comprimiu o coração numa atitude desesperada. Incoercível sentimento de veneração apossou-se inteiramente dele. Que significava aquilo? De quem o vulto divino que entrevia no painel do firmamento aberto e cuja presença lhe inundava o coração precípite de emoções desconhecidas?
- Quem sois vós, Senhor?
Aureolado de uma doçura balsâmica e um tom de inconcebível doçura, o Senhor respondeu:
- Eu sou Jesus!…
Diante dos olhos tinha, agora, aquele Cristo magnânimo e incompreendido! … A história maravilhosa de sua ressurreição não era um recurso lendário para fortificar as energias do povo. Sim, ele, Saulo, via-o ali no esplendor de suas glórias divinas… Experimentou invencível vergonha do seu passado cruel. Uma torrente de lágrimas impetuosas lavava-lhe o coração…
Foi quando notou que Jesus se aproximava e, contemplando-o carinhosamente, o Mestre tocou-lhe os ombros com ternura, dizendo com inflexão paternal:
- Não recalcitres contra os aguilhões!…
O moço de Tarso soluçava. Ante a expressão doce e persuasiva do Messias Nazareno, considerava o tempo perdido em caminhos escabrosos e ingratos. Doravante necessitava reformar o patrimônio dos pensamentos mais íntimos; a visão de Jesus ressucitado, aos seus olhos mortais, renovava-lhe integralmente as concepções religiosas… Ele, Saulo, era a ovelha perdida no resvaladouro das teorias escaldantes e destruidoras. Jesus era o pastor amigo que se dignava fechar os olhos para os espinheiros ingratos a fim de salvá-lo carinhosamente. Num ápice o jovem rabino considerou a extensão daquele gesto de amor… Ali mesmo no santuário augusto do espírito, fez o protesto de entregar-se a Jesus para sempre. Recordou, de súbito, as provações rígidas e dolorosas. A idéia de um lar morrera com Abigail, sua falecida noiva. Sentia-se só e acabrunhado. Doravante, porém, entregar-se-ia ao Cristo, como simples escravo de seu amor. E tudo envidaria para provar-lhe que sabia compreender o seu sacrifício, amparando-o na senda escura das iniquidades humanas, naquele instante decisivo de seu destino. Banhado em pranto, como nunca lhe acontecera na vida, fez, ali mesmo, a sua primeira profissão de fé.
- Senhor, que quereis que eu faça?
Aquela alma resoluta, mesmo no transe de uma capitulação incondicional, humilhada e ferida em seus princípios mais estimáveis, dava mostras de sua nobreza e lealdade. Encontrando a revelação maior, em face do amor que Jesus lhe demonstrava solícito, Saulo de Tarso não escolhe tarefas para serví-lo, na renovação de seus esforços de homem. Entregando-se-lhe de alma e corpo, como se fora ínfimo servo, interroga com humildade o que desejava o Mestre da sua cooperação.
Paulo e Estêvão, Emmanuel – Chico Xavier
Nenhum comentário:
Postar um comentário